terça-feira, 13 de setembro de 2016

Dalai Lama em Paris

Foto: Miriam ATG
O Dalai Lama, que vive exilado no Norte da Índia, está visitando a França de 12 ao 18 setembro 2016. 
Ele vai dar uma série de palestras em Paris e Strasbourg, mas não será recebido nem por François Hollande ou qualquer pessoa do governo francês. 
Em entrevista ao Le Monde, ele garante não se incomodar com isso.

"Onde quer que eu vá, eu não quero criar desconforto para os líderes locais. Então não há problemas. Na verdade, o propósito da minha visita não é para me encontrar com líderes políticos, nada tenho dizer à eles. Prefiro falar sobre a felicidade ao público, às pessoas. "

Dalai Lama falando sobre os atentados na França
O líder espiritual tibetano disse que está muito triste com a onda de ataques que se abateu sobre a França. É muito difícil de resolver esse problema no imediatismo. Algumas pessoas vão para ações extremas. Precisamos pensar: O que há de errado? Se não identificar as causas reais do problema, é difícil encontrar soluções adequadas. 
" Não importa o tamanho que tenha sido a sua perda, isso não deve fazer esquecer os seus princípios." 
Eu acredito na educação. Devemos incutir um senso de unidade da humanidade. A realidade é que o futuro de cada continente dependente dos outros. "Minha nação, minha nação! ", esse é um conceito errado. O sentimento nacionalista é excedido. Isto foi demonstrado pela União Européia. Finalmente, para os britânicos, é um pouco diferente [risos]. Eu admiro a unidade da Europa, em particular o que fizeram o presidente francês Charles De Gaulle e o chanceler alemão Adenauer. 
As respostas fornecidas pela sociedade são boas?
Não se deve falar de "terrorista muçulmano" ou "Budismo terrorista". Na verdade, quando uma pessoa está envolvida em atividades terroristas, ela não é nem muçulmano e nem budista. Os muçulmanos indianos e indonésios são pacíficos. Na Índia, os sunitas, xiitas e os sufis não têm problemas. É preciso um esforço de longo prazo para promover a unidade da humanidade, isso é o principal. Então, devemos viver em harmonia. A Índia é um exemplo. Ao longo de milhares de anos, várias tradições foram desenvolvidas lá. Zoroastristas, os hindus, os cristãos não têm medo. Eles têm vivido em harmonia há milhares de anos, por que isso não acontece em outros países? A religião é um assunto pessoal. Eu acredito no secularismo. A separação entre religião e Estado foi uma grande contribuição. Não é útil que os franceses gastem tanto dinheiro com policiais e militares. "Não importa o tamanho que tenha sido a sua perda, isso não deve fazer esquecer os seus princípios." 
Você não vai ser recebido pelos políticos, que temem irritar a China. Você não lamenta essa falta de coragem política?
Não. Eu não gosto de formalidades. Onde quer que eu vá, eu sempre digo que eu sou apenas ser humano como qualquer outro. Quando eu encontro com o presidente dos Estados Unidos, o que me interessa é o seu lado humano, a pessoa. Isso eu aprecio. Se houver muita ênfase no lado oficial, eu não aprecio e não vejo a hora que termine. Considerando que alguém me mostre a sua verdadeira natureza, eu terei vontade de conversar. 
"Na verdade, o propósito da minha visita não é para me encontrar com líderes políticos, nada tenho dizer à eles. Prefiro falar sobre a felicidade ao público, das famílias felizes, de comunidades felizes e de um mundo feliz. "

Como você avalia a China de hoje?
Eu sinto que o período mais negro pertence ao passado. Hoje há uma possibilidade de um futuro melhor. Um país de mais de um bilhão de pessoas, crivada de corrupção e discrepâncias de riqueza, sem Estado de direito, é muito triste. Recentemente, um chinês me disse que aqui sabemos o que é a liberdade, enquanto que em Pequim há muito medo. À longo prazo, é muito prejudicial para a imagem do Partido Comunista Chinês [PCC] e à ideologia marxista e socialista. 

Qual é o interesse da China em aceitar um compromisso com o Tibete?
Para ser pragmático, não estamos buscando a independência. Pedimos todos os direitos inscritos na Constituição chinesa, que deveriam ser  aplicados imediatamente. Precisamos da simpatia dos chineses, de seus budistas, seus intelectuais, como é o caso de Xiaobo Liu (Prêmio Nobel da Paz em 2009, condenado a onze anos de prisão). O apoio do povo é mais importante do que o do governo, que muda de tempos em tempos. Basicamente, eu sou otimista. Recentemente, expliquei à ex-prisioneiros tibetanos, logo que eles tenham a oportunidade de conhecer os chineses, devem dizer-lhes com orgulho que se nós estamos separados historicamente, não devemos contudo considerar que um lado ganha contra o outro. Não. Eles são nossos vizinhos, nós temos uma relação de proximidade. Devemos pensar nos chineses.

O povo tibetano teme o que acontecerá quando você não estiver mais entre eles. Pequim poderá tentar nomear o próximo Dalai Lama. Os tibetanos não ficariam mais tranqüilos se você evocasse agora a sua reencarnação?
Em um ano ou dois, haverá uma reunião de líderes religiosos da comunidade tibetana. Todos os funcionários das diferentes tradições do budismo tibetano estarão presentes. De vez em quando nos reunimos para tratar de assuntos espirituais e os problemas tibetanos. Numa dessas reuniões decidimos que discutiremos sobre a minha reencarnação quando eu chegar aos 90 anos.
Desde 1969 que eu venho dizendo que cabe ao povo tibetano decidir se a instituição do Dalai Lama deve continuar ou não. Em termos de política, desde 2011 quando me aposentei (o Dalai Lama deixou seu cargo de chefe do governo tibetano no exílio), eu decidi que no futuro, o Dalai Lama não teria nenhuma responsabilidade política. Estamos totalmente engajados com um sistema democrático.
Alguns acham que o Dalai Lama é fundamental no budismo tibetano. Esse não é o caso. O budismo tem mais de mil anos no Tibete, o Dalai Lama apenas quinhentos. Não existe nenhuma instituição de Buda, quais são as lições que carregam o espírito das antigas figuras budistas. Buda morreu e 2.600 anos se passaram, e seus ensinamentos ainda estão vivos. Assim, a instituição não é importante.
No entanto, emocionalmente, os tibetanos têm uma ligação com a instituição do Dalai Lama, porque é um momento difícil. Esta instituição ajuda à manter a esperança.

Então você dará uma resposta sobre a sua reencarnação daqui a um ano ou dois?
Sim. Há também os mongóis que compartilham suas preocupações (os mongóis como os manchus haviam adotado o budismo tibetano), assim como toda a comunidade budista da cadeia do Himalaia. Mas como eu disse, desde 1969 são as pessoas que decidem a lei. Eu não tenho nada mais a ver com isso. Eu tenho que servir até a minha morte, não apenas aos tibetanos, mas toda a humanidade. Sou um ser humano entre sete bilhões. Cada um de nós tem a responsabilidade de pensar na humanidade, que ela esteja mais em paz, na compaixão.

Você se lembra da sensação de que você viveu quando teve de fugir do Tibete? 
Em 1959, quando fugi de Norbulingka (a residência de verão dos Dalai Lama em Lhasa), para ser honesto, a minha primeira preocupação foi a minha própria sobrevivência. A noite de 17 de março de 1959, quando eu parti não saberia se veria o dia seguinte. De um lado do rio, havia um acampamento militar chinês. Do outro lado, eu podia ver os soldados com tochas a uns 800 metros de nós. Permanecemos no escuro, mas de repente os cavalos passaram. Iríamos sobreviver ou não ? Foi somente quando eu soube que o governo indiano estava pronto para me aceitar e que estávamos sendo esperados na fronteira, que eu finalmente me senti completamente em segurança.

O mesmo medo habita os refugiados de países como a Síria que fogem para a Europa. Que mensagem você daria à eles?
Nós, tibetanos, deixamos nosso próprio país, mas cada um de nós deseja voltar à nossa terra. E é isso que eu quero compartilhar com os refugiados da Síria, Iraque e numerosos países: temos de manter isso em nossas mentes. Por enquanto, devido às circunstâncias difíceis, do perigo pelas suas próprias vidas, eles devem fugir. Mas eles não devem deixar seu país definitivamente, pensando que não vão retornar. Seria um erro. Devemos manter esta determinação de um dia retornar ao nosso país para reconstruí-lo.

O ritmo e a forma que a comunicação política toma, como por exemplo, na campanha presidencial dos EUA, isso te irrita ? 
Não podemos responsabilizar os políticos individualmente. Eles vêm de uma sociedade onde não se fala muito sobre os princípios morais. Fala-se unicamente sobre dinheiro e poder. Mais uma vez, é tudo uma questão de educação: deve-se incluir a ética moral. Não mencionar Deus ou o paraíso, mas apenas como criar um mundo mais feliz. Se a religião se revela útil nesse sentido, então muito bem, mas se ela não ajuda, então não. Para mudar os políticos, é preciso primeiro que uma geração seja educada com princípios morais. A sociedade poderá se afastar dessa cultura materialista. Com valores de princípios morais, os políticos serão melhores. Caso contrário, os interesses e a política interna dos partidos prevalecerão sobre o interesse nacional.

Fonte: Le Monde


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